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EDITORIAL

 

Nossa reportagem é fruto de um desafio. O desafio, proposto durante uma aula de jornalismo, consistia em apurarmos o máximo possível de informações, dentro do prazo de 15 minutos, sobre um incêndio que estava ocorrendo na fazenda onde se localiza o assentamento Dênis Gonçalves. 

 

A partir deste primeiro contato, nos foi sugerido que continuássemos apurando os desdobramentos deste incêndio já tendo em vista uma reportagem especial sobre o assunto. A intensa pesquisa sobre o assentamento e sua história foi nos revelando algo que se confirmou logo depois de nossa primeira visita: que o incêndio de setembro era um fato muito pequeno se comparado à história e a luta daqueles assentados. Nossa pauta então mudou de foco. Olhamos para o quadro geral e nos esforçamos para retratar um pouco da vida e das convicções daqueles que chamam a fazenda Fortaleza de Santana de lar nesta reportagem.

 

Responsáveis: Caio Ferreira, Danilo Terra, Guilherme Fernandes Leite, Hyrlla Tomé, Isabella Gonçalves, Jeferson Martins, Júlia Romagnoli, Luiz Santiago, Mateus Figueiredo, Mylena Melo, Orney Bastos, Pedro Henrique Rezende, Thaís Andrade, Túlio Mattos e Vinícius Polato

 

Reportagem produzida como atividade avaliativa final da disciplina Processo II, ministrada pela Prof. Lara Linhalis

 

Quem passa em frente ao assentamento Dênis Gonçalves não imagina o quão grande e organizado ele é. Localizado no município de Goianá, em Minas Gerais, é atualmente habitado por 120 famílias que vivem em sociedade, e mais do que isso, uma comunidade organizada e muito bem estruturada. Dentro do movimento não existe um líder, tudo é organizado a partir de uma perspectiva democrática que tenta aliar o aproveitamento da terra ao conforto dos habitantes. Essa hierarquia horizontal talvez seja um dos grandes destaques do movimento, já que através do cooperativismo o grupo se torna mais forte e presente na sua luta.

 

O acampamento possui uma estrutura organizacional muito efetiva. A divisão é feita por núcleos de famílias, cada um com seus respectivos coordenadores. Os núcleos realizam reuniões semanais com o intuito de discutir os problemas que acontecem e propor mudanças através de decisões que são tomadas pelo coletivo. O objetivo macro é produzir alimento, garantir dignidade, trabalho e moradia para todos os assentados, cumprindo o papel social da reforma agrária. 

Foto: Mylena Melo

Dentre os núcleos está o da juventude, que discute, entre outras questões, os sonhos de cada jovem. Também são feitas rodas de discussão nas quais todos falam sobre seus anseios e sobre a arte de escutar. A produção do acampamento não se dá em larga escala, mas está em processo de crescimento. A sobrevivência dos moradores é garantida pela subsistência, pela doação de parceiros e sindicatos locais e pela venda do que é produzido.

 

Há também a realização de várias oficinas e atividades por parceiros e voluntários. Os assentados também participam de palestras e simpósios, trazendo atualização e informação para todos. O local possui boa estrutura, pode-se observar a existência de eletroeletrônicos, carros e motos. As pessoas são muito bem instruídas e conseguem transmitir com clareza o propósito do movimento. Diferente do que se imagina, o assentamento de Goianá tem uma organicidade e infraestrutura que vêm crescendo e proporcionando dignidade a todos. Atualmente discute-se a construção de uma escola que possuirá um método de ensino próprio, o qual eles acreditam ser melhor que o tradicional.

Foto: Mylena Melo

Atividade do último módulo do grupo de estudos da Escola Normal e do Assentamento, que consistia na divisão de grupos, leitura de material sobre as questões agrárias e apresentação desse conteúdo para todos os grupos de uma forma criativa.

 

Assentamento Dênis Gonçalves

Goianá/MG

2014

 

Vídeo gravado pelo João, de 11 anos, uma das crianças das famílias assentadas

O Estatuto da Terra completou cinquenta anos em 2014. Elaborado no período da Ditadura Militar no Brasil, o código regulamenta a ocupação e o uso da terra, e estabelece: "O Estado tem a obrigação de garantir o direito ao acesso à terra para quem nela vive e trabalha." (Art. 2º da Lei Nº 4.504, de 30 de novembro de 1964). No entanto, mesmo após passado meio século, a maior parte das leis que o regem não saíram do papel, e quem mais sofre com isso é o trabalhador do campo que, muitas vezes explorado, clama por Reforma Agrária. É essa a maior bandeira do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), e através da ocupação de latifúndios improdutivos eles buscam esse objetivo. Assim, o Assentamento Dênis Gonçalves estabeleceu-se, em Goianá -MG.

 

O assentamento foi assim batizado para homenagear Dênis, que foi uma criança do Assentamento Olga Benário, em Visconde do Rio Branco, MG. Por causa de seu pai, Dênis, ainda pequeno, abraçou a luta no assentamento e foi participar ativamente da ciranda infantil. Um dia, ao ir à cidade, Dênis morreu em um acidente automobilístico. O Assentamento Dênis Gonçalves é sinal de que Dênis está ressuscitado, presente na luta da família Sem Terra.

 

Aproximadamente 100 famílias do MST promoveram a ocupação pacífica da Fazenda Fortaleza de Santana, em Goianá, no dia 25 de Março de 2010. A polícia militar acompanhou todo o processo. No local, já residiam aproximadamente trinta famílias de colonos, que trabalhavam para o antigo dono. Alguns deles eram descendentes de escravos e não enxergavam outra opção que não fosse continuar a viver por ali. 

 

"Eu não sabia como era o movimento e não queria morar aqui de jeito nenhum no início, quando o meu marido veio. Aí um dia eu vim conhecer e percebi que poderia ajudar nas lutas e no modo de educar as crianças", relata a assentada Luiza Margarida.

No início, a relação entre colonos e assentados era conturbada: "A gente ficava meio desconfiado, sem saber o que queriam, depois viu que era tudo gente boa", afirmou o Seu Matheus que, inclusive, namora uma assentada. "Quando a gente chegou aqui, a relação com os colonos era ruim. A relação só era boa com uma colona que morava perto e a gente frequentava a casa dela, mas ela só queria colher informação para o patrão, né", conta Dona Margarida.  Superado o desconforto inicial, a convivência entre assentados e colonos tornou-se rapidamente a melhor possível. 

 

A condição legal de moradia em que os sem-terra se encontravam era instável e, após um ano acampando no terreno da fazenda, as famílias foram despejadas pela polícia com truculência. A maioria partiu em busca de outros assentamentos, mas, as que resistiram, acamparam na beira da estrada, a MG-353. As condições à beira da estrada eram mais precárias do que as oferecidas pelo acampamento provisório. Não havia água, não havia sustento, não havia responsabilidade pública.

 

Para retornar ao seu local de origem, o Dênis Gonçalves teve que esperar quase dois anos e meio. A espera penosa passou pelo decreto presidencial de 23 de dezembro de 2011, que desapropriou a fazenda para fins de interesse social. A indenização paga ao proprietário foi de R$ 11,5 milhões. Depois, a emissão de posse aos assentados ocorreu no dia 16 de maio de 2013. Mas só em 03 de setembro de 2013 o MST voltou a ocupar a propriedade com 90 famílias. Em 26 de novembro foi emitido o decreto destinado à reforma agrária.

Gravação de um documentário produzido sob a ótica dos assentados e pelos assentados, orientados por alunos do Instituto de Artes e Design da Universidade Federal de Juiz de Fora.

 

Assentamento Dênis Gonçalves

Goianá/MG

2014

 

Vídeo gravado pelo João, de 11 anos, uma das crianças das famílias assentadas

Entrevista realizada com Sebastião e Luiza Margarida pela Comissão Pastoral da Terra. 

 

Assentamento Dênis Gonçalves

Goianá/MG

2014

 

Vídeo retirado do Canal de Gilvander Luís Moreira no Youtube

A Fazenda Fortaleza de Santana, construída em 1811 tem aproximadamente 4865 hectares, ocupando quatro municípios mineiros (Goianá, Coronel Pacheco, Chácara e São João Nepomuceno). Seu nome é em homenagem à primeira baronesa de Santana. Maria José de Santana recebeu essa titulação de Dom Pedro II em 1861. Ela era mãe de Mariano Procópio Ferreira Laje, construtor da Estrada União Indústria, que liga Juiz de fora à Petrópolis.

Fazenda da Fortaleza de Santana

Foto: Mylena Melo

A produção cafeeira era a base econômica da fazenda, que em seu auge contava com quase 300 escravos. A estrutura envolvida na produção, estocagem e seleção dos grãos ainda está conservada, mas caiu em desuso quando a criação de gado tornou-se a principal atividade econômica no local.

 

De grande importância histórica, a riqueza da propriedade se deve ao bom estado de conservação das construções. A sede, no entanto, foi destruída em um incêndio em 2004. Além disso, o terreno é de grande relevância arqueológica, abrigando um dos mais conhecidos sítios arqueológicos de Minas Gerais.

 

Três famílias já tiveram a posse do terreno, sendo a última, a família Tostes, do Rio de Janeiro. Segundo os assentados, 28 famílias de colonos habitavam a fazenda nos últimos anos. Em 2009, o Incra (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária) avaliou e considerou a propriedade improdutiva e em 25 de Março ela foi ocupada pelo MST.

Gravação de um documentário produzido sob a ótica dos assentados e pelos assentados, orientados por alunos do Instituto de Artes e Design da Universidade Federal de Juiz de Fora.

 

Assentamento Dênis Gonçalves

Goianá/MG

2014

 

Vídeo gravado pelo João, de 11 anos, uma das crianças das famílias assentadas

O MST é mais um dos diversos movimentos que lutam pela questão fundiária na história brasileira, assim como os Quilombos, Canudos e as Ligas Camponesas. Com a luta crescente a partir dos anos 50, os movimentos se organizaram cada vez mais, chegando ao seu ápice no governo de João Goulart, deposto pelos militares em 1964. Durante os anos posteriores ao golpe, a repressão aumentou, mas a luta também se intensificou, culminando na sua criação em 1984.

 

O Movimento Sem Terra foi criado há 31 anos, como resultado do 1º Encontro Nacional do Sem Terra em Cascavel/PR realizado nos dias 20, 21 e 22 de janeiro de 1984. O objetivo inicial era construir um movimento nacional de acordo com as bases de luta, que eram: a luta pela terra, a luta pela Reforma Agrária e um novo modelo agrícola, a luta por transformações na estrutura da sociedade brasileira e um projeto de desenvolvimento nacional com justiça social. O movimento também estabeleceu como base a ocupação de terra como ferramenta fundamental da luta dos trabalhadores.

Os Governos Sarney, Fernando Collor e Fernando Henrique Cardoso foram marcados pelo privilégio à bancada ruralista e aos grandes latifundiários. Foram tempos de retrocesso para o movimento, com a repressão crescente e qualquer tipo de avanço sendo cessado.

 

Com a eleição de Luiz Inácio da Silva, houve uma grande esperança do movimento com relação a mudanças significativas na questão da terra. Entretanto, houve a manutenção das bases dos governos anteriores, com alguns avanços sociais, mas sem gerar mudanças no modelo de agronegócio ou avançar na questão da reforma agrária.

 

A principal bandeira do Movimento Sem Terra é a reforma agrária, que foi realizada em todos os países desenvolvidos do mundo justamente por ser uma medida de distribuição de renda e aquecimento de mercado capaz de aumentar exponencialmente o mercado consumidor nas economias onde é realizada tal medida. No entanto, a luta não é somente por reforma agrária, é também por igualdade, justiça social e direitos básicos para toda a população brasileira.

"Minha terra tem palmeiras,
Onde canta o Sabiá;
As aves, que aqui gorjeiam,
Não gorjeiam como lá.

Nosso céu tem mais estrelas,
Nossas várzeas têm mais flores,
Nossos bosques têm mais vida,
Nossa vida mais amores."

 

Gonçalves Dias

Foto: Mylena Melo

A História de Seu Mateus

"Abrir as portas de sua casa para um estranho não é algo comum. Para vários estranhos, menos ainda. Porém, existia algo naquele senhor que não o exigia as regras da segurança. Nos deu água e só não ofereceu café porque não sabia fazer. E o sol, escaldante naquele dia, não permitiria uma bebida tão quente. A mulher estava na cozinha comunitária do assentamento, ajudando no almoço coletivo servido naquele dia. E seu Matheus ficou em casa, sentado do lado de fora, sorriso largo e boa conversa, esperando as visitas que chegavam de todos os lados".

Trecho do relato que ouvimos do "Seu Mateus". Saiba mais sobre a história dele escutando o perfil completo:

Perfil - Seu Matheus
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Foto: Mylena Melo

A História de Sebastião e Luiza Margarida

"No entanto, a vida cheia de obstáculos da roça não era tocada de forma triste: a alegria tinha o seu espaço. Numa dessas fazendas pelas quais passou, Sebastião conheceu Luiza Margarida. Casaram. Tiveram três filhos, dois meninos e uma menina. Construíram um lar unido, em que um dependia do outro, mas algo ainda faltava. Margarida levava uma vida pacata de dona de casa: saía apenas para levar seus filhos à escola e voltava para casa, enquanto Sebastião estava, agora, trabalhando na cidade como pedreiro. Seu único passeio era a ida mensal ao supermercado para comprar o pouco do que desse com a renda do marido."

Trecho do relato que ouvimos da Luiza e do Sebastião. Saiba mais sobre a história deles escutando o perfil completo:

Perfil - Luiza Margarida e Sebastião
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Foto: Mylena Melo

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